Recuperando os Ensinos Políticos da Bíblia Hebraica

A Bíblia Hebraica é uma fonte de idéias políticas, muitas das quais estavam séculos e milênios à frente de seu tempo. Mas a noção de que a relação do homem com suas estruturas políticas e sociais circundantes deve – de fato – derivar de sua relação metafísica com Deus não é imediatamente aparente para um leitor moderno – mesmo religioso.

Por que pensamos em religião na Bíblia, mas não em política na Bíblia? Como chegamos aqui?

Isso ocorre porque o desenvolvimento do pensamento político no início da Europa moderna foi em grande parte um esforço consciente para deixar para trás os sistemas políticos carregados de teologia dominados pela Igreja na Idade Média no período que se seguiu à desintegração geral engendrada pelas invasões bárbaras.

A Igreja viu o propósito da república como um veículo para a salvação do indivíduo e impôs a teocracia em seu domínio sobre impérios, monarquias e cidades-estado. Foi a hostilidade para com o governo teocrático que finalmente permitiu que a primeira cultura secular da Europa surgisse na Itália, nos escritos de figuras como Dante, que foi um dos primeiros a desafiar o poder político do papado.

Maquiavel

Em O Príncipe, Maquiavel buscou articular uma nova ordem política em resposta ao que viu ao seu redor: a tênue estrutura política da cidade-estado florentina, enfraquecida pelo domínio nas mãos da Igreja. Ele foi o primeiro pensador político europeu que rejeitou a posição da Igreja segundo a qual o bem religioso era superior ao político. Em vez disso, ele concebeu o propósito da ordem política não em termos da salvação espiritual do homem, mas sim em termos da proteção do bem-estar físico das massas sob sua jurisdição.

Hobbes

A dissociação do motor da religião do trem da política foi promovida nos escritos de Hobbes. Hobbes testemunhou em primeira mão a Guerra Civil Inglesa, que foi tão motivada religiosamente quanto politicamente. O protestantismo ensinou o dogma de que cada indivíduo é “santo” e pode reivindicar “ter graça” e obedecer à sua própria “inspiração”. No entanto, por meio de sua própria experiência da Guerra Civil Inglesa, Hobbes viu que essas noções religiosas levaram à arrogância política e ao desrespeito pelo próximo. Ele raciocinou que as querelas dos homens a respeito da definição das mais nobres virtudes religiosas acabaram por provocar a guerra de todos contra todos. Foi com referência a essa guerra de todos contra todos que Hobbes escreveu sua famosa declaração no capítulo 13 do Leviatã de que a vida humana é “solitária, pobre, desagradável, brutal e curta”.

Tanto para Maquiavel quanto para Hobbes, a ordem política deve se livrar do significado teológico, ou, na verdade, de qualquer objetivo maior que não seja a proteção do bem-estar dos indivíduos sob sua jurisdição. Esses homens articularam suas idéias a partir de uma visão da natureza humana privada de quaisquer qualidades positivas que pudessem dar à vida dos homens e à ordem política na qual funcionam um propósito metafísico mais amplo.

Indo Além…

Somos os herdeiros culturais dessa noção que celebra a desconexão entre as ideias religiosas e as políticas. Para homens e mulheres de fé, imbuídos de uma visão elevada das Escrituras, é hora de fazer um balanço de como, inconscientemente, nos encontramos passageiros em um navio cultural que se afastou tanto de suas amarras clássicas e tradicionais que não entendemos mais o que nós perdemos.

Este é o momento de entender a política na Bíblia. Isso significa reengajar-se com as passagens da Bíblia Hebraica que fornecem, por meio da lei e da narrativa, não apenas uma imagem da piedade pessoal, mas também um projeto e uma riqueza de recursos para conceber nossa vida cívica e nacional.

Joshua Berman é professor associado da Bíblia na Bar-Ilan University em Israel e pesquisador fellow no Herzl Institute and the Center for Hebraic Thought. Seus livros incluem Inconsistency in the Torah: Ancient Literary Convention and the Limits of Source Criticism (Oxford University Press); Created Equal: How the Bible Broke with Ancient Political Thought (Oxford University Press); The Temple: Its Symbolism and Meaning Then and Now (Wipf & Stock); and Narrative Analogy in the   Hebrew Bible: Battle Stories and Their Equivalent Non-Battle Narratives (Brill).